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  • Marcos Nogueira

Os 5 segredos da pizza perfeita (V): maçarico e frigideira


Antes de começar, um pequeno alerta à la “tirem as crianças da sala”. Estou prestes a recomendar o uso de uma ferramenta incendiária. Então, jovens, tomem todos os cuidados necessários. Leiam o manual do maçarico antes de começar a operá-lo. Deixem longe tudo o que for inflamável e, por favor, não tenham ideias cretinas. Muito importante: é melhor estar sóbrio ao mexer com a bagaça.

Dado o aviso, quero dizer que não estou tentando reinventar a roda nem recorri ao maçarico por pura – por dizer assim – pirotecnia. O maçarico é um utensílio bastante comum na cozinha profissional. Com ele se faz a crème brûlée e qualquer coisa que precise ser gratinada rapidamente. Sabe aquele merengue chamuscado da torta de limão? Maçarico. De mais a mais, eletricistas e trabalhadores da construção civil o empregam diariamente sem nenhum sobressalto. Se fosse algo tão perigoso, não seria vendido livremente em lojas de ferragens.

Mas por que o maçarico na pizza? Para obter um resultado impossível com os equipamentos normais de uma cozinha doméstica. Antes de detalhar o método, cabe falar do que acontece dentro de um forno a lenha. Afinal, é isso que eu tento reproduzir com o maçarico.

Forno a lenha x forno doméstico

Fazer pizza em casa é fácil. É moleza assar, num forno Dako qualquer, uma pizza absolutamente deliciosa. Difícil a fazer uma que se pareça saída de um forno a lenha. O problema está na intensidade e na forma de propagação do calor. Vou tentar explicar. Espero não escrever muita burrada – nos tempos de colégio, meu desempenho em física ficava aquém da média.

O calor, como todos devem saber, é energia. Essa energia se propaga de três maneiras. A condução ocorre quando o calor se transfere de uma partícula a outra por contato: a frigideira quente aquece o bife. Na radiação, a energia não precisa de um meio material para viajar. As ondas percorrem o vácuo e, quando encontram algo pela frente, agitam essas partículas – uma coisa quente é composta de átomos sacolejantes.

Por último, temos a convecção. Em meios líquidos ou gasosos, o calor intenso cria movimentos cíclicos, circulares. Você deve ter aprendido na escola: o ar se aquece, fica leve, sobe, esfria, fica pesado, desce de novo. Isto se chama vento.

O forno a lenha é uma maravilha tecnológica que aproveita o máximo dos três tipos de transferência de calor.

O chão do forno, por condução, grelha instantaneamente a base do disco de massa, tornando-a firme, crocante e cheia de manchas pretas – os italianos chamam este efeito visual de macchia di leopardo (“mancha de leopardo”).

A temperatura no interior de um forno a lenha profissional chega a 500 ºC ou mais. É muita energia. Por radiação, as ondas de calor fazem com que a pizza cozinhe numa rapidez espantosa. A água dos ingredientes evapora no ato – por isso, por exemplo, o pizzaiolo pode meter a danada no forno já montada, com molho, cobertura e o escambau a quatro.

A celeridade do processo é crucial para a textura da pizza, crocante por fora e macia por dentro. Acontece mais ou menos assim: bolhas de gás presas nos alvéolos de glúten (se precisar, recapitule o papo do glúten aqui) se expandem violentamente, mas logo ficam encapsuladas. Isso porque a parte externa da massa, que entrou pastosa no forno, se solidifica em questão de poucos segundos – uma camada dura que retém alguma umidade no interior.

O papel da convecção é de equivalente importância. Toda a energia presa dentro do forno gera um vento considerável. Lufadas de gás incandescente colidem com o exterior da pizza o tempo todo. São essas lambidas de fogo as responsáveis pela massa chamuscada que dá à pizza na lenha seu aspecto e sabor característicos.

Falando em sabor, há ainda um outro aspecto: a fumaça da madeira. Francamente, eu nem me aborreci tentando defumar a pizza. Além de tornar o meu experimento insanamente difícil, suspeito que a importância da fumaça seja superestimada. Quase toda a fuligem produzida na queima da madeira escapa pela chaminé – caso contrário, pizzarias seriam ambientes insalubres.

Agora passemos para o forno que a gente tem em casa. Vou dar de barato que quase todo mundo possua um fogão a gás comum, não algum tipo de equipamento semiprofissional.

No forno a gás, a radiação é bem mais branda – a temperatura dificilmente passa dos 300 ºC. A condução é muito fraca: a base da pizza é aquecida pela fôrma de metal, que por sua vez foi aquecida pela radiação. A convecção é desprezível. Alguns fogões mais metidos até tentam forçar a barra com auxílio de uma ventoinha, mas não chegam a nada parecido com o vento infernal do forno a lenha.

Como resultado, a pizza assa lentamente e por igual. A massa fica menos torrada por fora e mais ressecada por dentro. Como a evaporação é lenta e o calor da fôrma é débil, faz-se necessário cozinhar a pizza em pelo menos duas etapas – primeiro a massa com o molho, depois a cobertura. Quando se põe tudo de uma vez no forno, a água dos ingredientes encharca a massa.

Em qualquer caso, o produto final é um tanto pálido (como vocês podem ver na foto acima). Pode ser até delicioso. Delicioso, porém branquela.

Mas chega de física. Vamos ao raio da pizza. Primeiro, uma pequena lista dos prós e contras do método do maçarico.

Prós e contras do maçarico

Prós

Pizza mais gostosa

Pizza mais bonita

É barato

É pequeno

Pode levar em viagens

É show

Contra

Assusta as crianças

Apesar da minha argumentação sólida, presumo que muitos de vocês vão amarelar diante da ideia de usar um maçarico. Comecemos, então, com algo menos pirotécnico. Mesmo sem o efeito provocado pela chama, dá para fazer em casa uma pizza muito mais decente com a ajuda de algo que todo mundo tem: uma frigideira.

Método da frigideira sem maçarico

A premissa é simples: ao jogar a massa crua sobre a frigideira quente, você simula um chão de forno a lenha. A base da pizza fica crocante e queimadinha, com pintas de leopardo. Depois é só terminar de assá-la no forno.

Este método não requer nenhum utensílio especial. Em teoria, seria melhor usar uma frigideira de ferro fundido – material que atinge temperaturas mais altas que as do alumínio. Eu, por razões que não entendo, obtenho resultados melhores quando faço a pizza numa frigideira de alumínio com revestimento antiaderente. É conveniente ter uma frigideira de cabo metálico, que possa ser levada ao forno. De outra forma, você deve transferir

a pizza para uma assadeira – nenhum grande transtorno.

Vou escapar pela tangente e evitar cravar quantidades, temperaturas e tempos exatos na receita. Não existem padrões fixos numa cozinha caseira. Cada um conhece a própria cozinha, e cada cozinha produz resultados distintos. O diâmetro da frigideira importa, o tipo de gás (botijão ou encanado) faz diferença, o modelo do fogão é decisivo. Não espere acertar tudo na primeira tentativa: com a prática, você vai conhecendo melhor o equipamento para aprimorar seus métodos. E nem sempre o mais caro é melhor.

Eu, por exemplo, fazia pizza fantásticas no meu forno antigo. Ligava a chama na potência máxima com 90 minutos de antecedência. O bicho ficava pelando de tão quente. Até que derreteu. Então comprei um fogão novo cheio de frufru. Tem controle eletrônico, grill, convecção e até vapor no forno. É ótimo para uma infinidade de pratos, mas desaponta na hora de assar pizza. Isso porque o maldito do forno eletrônico só esquenta até 260 ºC. Ao atingir essa temperatura, um termostato desliga o gás.

Apesar das diferenças individuais, dá para estabelecer algumas normas genéricas para a pizza caseira. A mais importante é: tenha tudo pronto antes de começar a trabalhar. Isto significa ter todos os ingredientes preparados e porcionados, os utensílios (colheres, espátula etc.) à mão, o forno e a frigideira aquecidos. Essa é uma dica meio óbvia e aplicável a qualquer coisa que se faça na cozinha, mas na pizza de frigideira é particularmente fundamental. Um vacilo de poucos segundos, e você terá uma bolacha carbonizada sobre o fogão.

A frigideira tem de estar bem quente no momento em que você coloca nela a massa estendida. O molho deve ser colocado imediatamente. Seu peso impede que a massa no centro cresça muito. Deixe sem molho um aro com mais ou menos 1 centímetro de largura na beirada da pizza. Assim que começar a esquentar, a borda vai inchar e formar um corniccione – mesmo que você não tenha deixado a massa mais espessa na beira. Um minuto de fogo é mais do que o suficiente para obter a estampa de oncinha na parte de baixo da pizza.

O passo seguinte é levar o disco ao forno – busque o calor máximo – para secar o molho e consolidar o corniccione. O tempo vai depender do fogão e da quantidade de líquido no molho. Retire quando perceber que ele não solta mais água. Então coloque a cobertura e devolva ao forno até a pizza ficar pronta. Simples assim.

Existem muitos recursos e apetrechos para melhorar a performance do forno doméstico na pizza. Alguns vêm equipados com o grill, um queimador elétrico no teto do forno – projetado para gratinar lasanhas e congêneres. O lance é posicionar a pizza, já tostada na frigideira, sobre a grade superior do forno. E ligar o grill, não o gás. Ajuda muito se você primeiro aquecer o forno com gás e depois ligar o grill. A pizza assa em duas fases: antes na parte de baixo e depois no topo. Eu tenho esse equipamento e, antes de começar a brincar com o maçarico, usava-o bastante. A pizza fica sensacional, tostada e crocante. Mas, como você pode conferir na foto acima, nada comparável à aparência de uma pizza assada no forno a lenha.

Uma gambiarra bastante comum é o uso das tais pedras para pizza – que geralmente não são pedras, mas placas de cerâmica. Como a frigideira, a pedra simula o chão quente de um forno de alvenaria. Mas trata-se de um acessório um tanto caro para um pedaço de argila: algo entre R$ 70 e R$ 200 a unidade. Como alternativa, há os tijolos refratários. Você os compra baratinho em qualquer loja de material de construção. Também já fiz isso. Além de ser um peso absurdo sobre a grade, a cama de tijolos precisa esfriar por uma noite inteira antes que você possa retirá-la do forno.

Tanto a pedra quanto os tijolos – e também uma suposta maravilha americana, uma placa de aço feita para assar pizzas – apresentam uma desvantagem adicional. Como dispensam a fôrma ou frigideira, exigem que você coloque e remova a pizza do forno com pás. Você vai precisar gastar mais alguns dinheiros em uma pá de madeira (para montar a pizza e metê-la no forno) e outra de metal (para retirar a pizza pronta). Quem vê os pizzaiolos profissionais manuseando a pá com destreza não imagina o quanto a operação é complicada. Eu não tenho a coordenação motora requerida. Um escorregão, e o que era para ser seu jantar vira um amontoado de comida meio crua, meio queimada e que você só poderá limpar na manhã seguinte (porque a pedra ainda está quente).

Prefiro o maçarico.

Método da frigideira com maçarico

O propósito do maçarico é imitar o efeito – ou melhor, a consequência – da convecção no forno a lenha. A chama de um modelo portátil chega fácil aos 1300 ºC, mais do que quatro vezes a temperatura de um forno a gás doméstico. Ao lançá-la diretamente sobre a pizza, reproduzimos o gás aquecido que circula no forno e deixa a massa deliciosamente chamuscada.

Resolvi experimentar a parada quando vi um post do J. Kenji López-Alt, um doidão que vive de experimentar técnicas culinárias no site americano Serious Eats. O cara usou o maçarico num experimento em que se propunha a fazer pizza em casa sem ligar o forno – não é a minha intenção aqui – e não ficou satisfeito demais com o resultado.

De fato, o forno é importante neste método: enquanto a frigideira queima por baixo e o maçarico queima por cima, o forno completa o cozimento e aquece a pizza por inteiro. Dá para fazer sem? Certamente. O único problema é que o maçarico é como um cobertor curto demais. Como a chama é aplicada num pedacinho da pizza de cada vez, o lado de cá já estará frio quando você terminar de aquecer o lado de lá. A pizza não fica lá muito quente, nenhuma tragédia em uma situação em que você não disponha de forno – uma viagem, talvez. Com o maçarico, dá até para fazer pizza num acampamento. Em casa, contudo, o forno a gás deixa a pizza muito melhor.

Estou no meu terceiro maçarico. O primeiro eu comprei numa loja de uns ripongos que fumavam narguilé. O segundo adquiri num site de apetrechos culinários. Ambos eram artefatos bonitinhos e frágeis, além de caros. Pior que isso, eram chatos de operar (precisavam ser recarregados com gás a cada uso). O pior de tudo: a chama era pífia.

Não perca tempo nem dinheiro com um maçarico gourmetizado. Vá direto a uma loja de material de construção e saia de lá com o bagulho aprovado pelos melhores soldadores do pedaço. Um maçarico de butano e propano, que parece um spray de tinta com um bico queimador, sai por menos de R$ 50. Já a imitação frozô pode custar quase R$ 200. E não serve para nada.

Antes de sair por aí incendiando pizzas (como eu fiz com a belezinha acima), treine um pouco com seu maçarico. O botão que regula a chama não tem a maior precisão do mundo: um milímetro a mais e você tem uma labareda. Pratique com um pão velho ou uma batata até se julgar apto para pilotar o fogo. No primeiro uso para valer, sugiro que você programe uma refeição solitária ou com alguém muito íntimo. A chance de algo sair errado não é pequena.

Então vamos lá.

O preparo da pizza com maçarico começa igualzinho ao da pizza de frigideira sem show de fogos. Você aquece a frigideira e o forno, abre a massa e tosta a parte de baixo (com molho, não se esqueça) por um minuto.

Então você transfere a pizza para um prato ou forma de diâmetro maior que o da frigideira: as laterais altas da panela atrapalham na hora de maçaricar o ladinho da borda.

Acenda o maçarico e regule a chama num tamanho entre pequena e média – quando ela deixa de parecer um foguinho de isqueiro e começa a fazer barulho. Comece pela borda, para formar o corniccione. Passe a chama ao redor da pizza inteira, até que toda a beirada esteja levemente chamuscada. Pegue leve, pois vamos passar uma segunda demão de fogo nessa borda.

Aí passe para o molho. A chama deve cozinhar e desidratar o tomate. Desligue o maçarico, limpe o suor da testa e vá para o recheio. Não exagere na cobertura. O preço do descontrole pode ser uma pizza que é, ao mesmo tempo, malcozida e queimada. O processo demora um pouquinho, relaxe.

Trabalhe em camadas. Se tiver mozarela, coloque-a primeiro. Derreta o queijo com calma, sem queimar muito. Caso queira incrementar a cobertura com outros ingredientes – linguiça e/ou cebola, por exemplo –, adicione-os nesta etapa. Quando a pizza estiver totalmente montada, chamusque toda a cobertura por igual e termine de maçaricar a borda – agora sem piedade.

Leve a pizza ao forno por três minutos e sirva.

Viu como é fácil?

Como bônus, logo abaixo tem a receita de uma pizza margherita individual. Se você achou tudo muito idiota e complicado, tome isto: é uma receita de pizza de pão italiano (vulgo brusqueta) que eu costumo fazer quando tenho mais preguiça que o normal.

Ingredientes

1 tomate maduro

Sal e orégano a gosto

1 bola média de mozarela de búfala

Algumas folhas de manjericão

Azeite extravirgem a gosto

Modo de fazer

  1. Prepare a massa. Quando ela estiver crescida, aqueça o forno na temperatura máxima (espere pelo menos meia hora).

  2. Faça o molho: rale o tomate num ralador manual (furos grandes) e tempere com orégano e sal.

  3. Aqueça uma frigideira pequena em fogo alto. Separe um pedaço de massa com o tamanho de uma bola de tênis. Espalhe farinha na superfície de trabalho e abra um círculo com as mãos ou com um rolo.

  4. Coloque o disco de pizza na frigideira quente. Aplique imediatamente o molho de tomate, deixando livre uma faixa de 1 cm na borda. Desligue o fogo depois de 1 minuto.

  5. Num prato ou assadeira, passe o maçarico sobre a pizza: primeiro na borda, depois no recheio e novamente na borda.

  6. Leve a pizza ao forno por 3 minutos. Retire do forno, adicione o manjericão e sirva com azeite.

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