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  • Marcos Nogueira

Como fazer carne-de-sol em casa (é muito fácil)


Carne-de-sol: quem é, onde mora, o que faz e o que pensa. Este é o tema do Globo Repórter de hoje.

Sério, para quem vive em São Paulo, carne-de-sol é algo que só existe em restaurantes nordestinos. Ninguém sabe de onde ela vem, porque não há carne-de-sol à venda em nenhum mercado da cidade. O que se encontra é carne-seca, que definitivamente não é a mesma coisa. Mas tem gente que acha que é.

Quando comecei a escrever este texto, minha intenção era começar por esclarecer as diferenças entre a carne-seca e a carne-de-sol – em especial para o morador do Sul e do Sudeste, que ignora certas sutilezas da gastronomia nordestina. Só que a minha pesquisa me deixou mais confuso que antes.

Veja o que diz o historiador potiguar Luís da Câmara Cascudo na obra História da Alimentação no Brasil, quando descreve a fabricação de pirarucu seco no Norte:

“Fácil é ligar esse processo com a fabricação da carne do sertão, carne-seca, denunciando a técnica em denominar-se ‘carne-de-vento’ e ‘carne-de-sol’.”

Existem ainda as denominações carne-do-ceará, carne serenada, jabá, carne-de-sereno e charque, entre outras. Com algumas variações regionais e fabris, todas se referem à mesma coisa: carne salgada e seca.

A literatura sobre o assunto, se existe, é escassa e de difícil acesso. Sem respaldo acadêmico para embasar minha teoria, só posso fazer suposições. E o que eu suponho é isto: no começo carne-seca e carne-de-sol eram a mesma coisa. Com o advento da refrigeração artificial, transformaram-se em artigos diferentes. A carne-seca é pesadamente salgada, seca o bastante para se conservar por semanas em temperatura ambiente; já a carne-de-sol é um produto mais delicado, de salga sutil e que preserva muito da umidade da carne fresca. Geralmente não precisa ser demolhada e se presta à preparação de bifes e churrasco. Uniformemente salgada e com a textura levemente alterada pela cura, é diferente tanto do bife fresco quanto da carne-seca.

Num tempo em que a palavra “artesanal” está tão em voga, a carne-de-sol é algo verdadeiramente artesanal. No Nordeste, ela é preparada e vendida nos açougues; no restante do país, costuma ser feita na cozinha dos restaurantes que a servem.

Um desses restaurantes é o Jesuíno Brilhante, em São Paulo. O dono, o jornalista Rodrigo Levino, trouxe do Rio Grande do Norte o próprio pai, João Batista, para cuidar desse departamento. Seu João (foto acima) teve por 15 anos uma churrascaria em Caicó, no sertão potiguar. Para quem não sabe, Caicó (RN) e Picuí (PB) são as duas cidades mais importantes de uma região conhecida por Seridó. Elas disputam entre si o título de capital brasileira da carne-de-sol. Logo, seu João entende muito do riscado.

João é um homem de fala mansa em gestos suaves. Ele desenvolveu um método próprio de elaboração da carne-de-sol: reduziu ao máximo a quantidade de sal e o tempo de cura. A carne servida no Jesuíno – o nome homenageia um cangaceiro do século 19, tido como um Robin Hood da caatinga – passa uma noite ao relento e depois vai para o freezer. “Quanto mais dias congelada, mais suculenta”, diz seu João. Não encontrei evidências científicas disso, mas não tenho por que desobedecer.

Para fazer a carne-de-sol, João pega uma peça inteira de coxão mole (algo com oito a dez quilos) e divide a carne em quatro parcelas: bifes, carne na nata (desfiada com creme de leite), paçoca (triturada com farinha de mandioca) e guisado (aparas e sobras, que não são salgadas). Depois vem a salga. Ele não pesa o sal, como seria de se esperar. Simplesmente o espalha sobre um prato. Para os bifes e a paçoca, ele toca a mão de leve no prato de sal, a esfrega de leve na carne, e repete o processo do outro lado. Para a carne na nata, que é cozida na pressão, usa aproximadamente o dobro dessa quantidade.

Há muitas receitas de carne-de-sol que recomendam a cura na geladeira por alguns dias, com o descarte da água que se formar. Esta é mais rápida e mais simples: com a carne arejada, a umidade evapora. No dia seguinte, a carne está mais escura e seca (foto acima). Apenas certifique-se de cobrir com um pano para evitar o ataque de insetos. E, se você tiver um gato em casa – como é o meu caso – deixe-o trancado a noite toda. Salgada e na temperatura amena da noite, a carne não vai apodrecer em 12 horas.

O preparo da carne-de-sol é uma excelente maneira de conservar a carne excedente. Digamos que você comprou uma peça de contrafilé e só comeu um ou dois bifes: transforme o restante em carne-de-sol. Fica melhor do que conservar a carne fresca, garanto.

A maior vantagem de se fazer carne-de-sol em casa é que você pode usar o corte que bem desejar. Eu escolhi bife de chorizo argentino. Mas dá para fazer de picanha, de fraldinha, de filé mignon e até de porco (no Jesuíno tem!). Preparei de duas formas: em bifes grelhados no carvão e refogada com cebola e manteiga de garrafa. Sem mais delongas, segue a receita do seu João Batista.

Bifes de carne-de-sol

Ingredientes

Carne e sal (quanto baste)

Modo de fazer

  1. No início da noite, corte a carne em bifes de dois centímetros de espessura. Espalhe o sal em um prato e, com as mãos (limpas!), faça assim: junte os dedos e encoste a parte inferior deles no sal, então transfira o sal que se grudou na pele para o bife. Repita a operação com o outro lado do bife e depois com a carne restante.

  2. Transfira a carne para uma bacia ou tabuleiro não-metálico. Acomode os bifes sem que eles se toquem. Cubra o recipiente com um pano de algodão, sem encostar na carne. Deixe em lugar fresco e abrigado de animais.

  3. Antes de dormir, vire os bifes. Deixe-os no mesmo lugar a noite inteira.

  4. Na manhã seguinte, ao acordar, transfira os bifes para sacos plásticos e leve-os ao congelador. Deixe-os lá por pelo menos uma semana. Faça a carne-de-sol grelhada ou frita, no ponto de sua preferência.

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