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  • Marcos Nogueira

Como fazer lámen em casa: o caldo


Este é o segundo de quatro posts dedicados ao lámen. Como você deve ter percebido, demorei quase um mês para retomar o assunto. Poderia culpar a vida corrida, o excesso de trabalho e o diabo a quatro, mas a verdade é que estava fugindo da raia. Este texto deve ser necessariamente sobre o caldo – a parte mais importante da receita –, e o caldo é um assunto espinhoso.

Não que ele seja difícil de fazer. Tenha um pouco de paciência e você chegará a uma receita de execução muito simples. Ou simplesmente role para baixo, eu não me incomodo.

Os caldos são a espinha dorsal da culinária acadêmica, aquela ensinada em escolas de formação de profissionais para restaurantes, hotéis e outros serviços de alimentação. Curiosamente, eles têm a origem mais humilde possível: o aproveitamento total do alimento em tempos de escassez material. Matava-se um frango e, antes de se pensar em matar o próximo, era obrigatório consumir a carne, a pele, as cartilagens, os tendões, os miúdos e os ossos. Muito disso virava comida na forma de caldo.

A culinária profissional sistematizou esse aproveitamento. Consulte a literatura técnica das duas principais escolas de cozinha – no sentido amplo: a francesa/italiana/europeia e a chinesa/japonesa/asiática – e você encontrará dezenas de recitas de caldos, fundos e assemelhados.

A leitura desses livros dá vontade de desistir antes de começar. As receitas, sem entrar no mérito da complexidade, pedem uma quantidade de ingredientes – ossos, carnes, legumes, temperos – que só cabe num caldeirão de 100 litros. A coisa toda deve cozinhar por muitas horas, quiçá por um dia inteiro ou mais. O cozinheiro precisa escumar, clarificar, coar. Arrumar espaço para guardar o sopão e limpar a sujeira resultante. Não raro, a receita indica como ingrediente um ou mais caldos-base que deveriam estar prontos em algum canto da cozinha.

É de despirocar. Mas agora vem a notícia boa: você não precisa fazer nada disso.

As receitas clássicas de caldos – sejam eles franceses, sejam japoneses – presumem o âmbito de uma cozinha de restaurante. Faz todo sentido nesse contexto. A casa compra x quilos de frango e y quilos de legumes variados. Separa coxas e sobrecoxas, fileta os peitos, usa algumas aparas em molhos, seleciona os vegetais mais bonitos e os corta em formas geométricas uniformes. Resta uma montanha de peles, ossos, aparas, pontas, folhas e legumes feiosos inteiros. Jogar no lixo? Nem a pau: tudo isso vira caldo.

Em casa, o caminho é voltar algumas casas até a origem camponesa do caldo. Fez uma paleta de leitão? Congele o osso. Assou um frango? Caso a nonna não tenha passado o almoço roendo a carcaça, guarde no congelador o dorso do galináceo. Faça o mesmo com pontas de cenoura, cebolas, aipo, alho-poró...

É certo que, fora de um restaurante, você precisará comprar alguns ingredientes para o uso exclusivo no caldo. Caso você não tenha ossos no congelador, compre asinhas de frango, que são baratas. Se a receita puder esperar um dia ou dois, asse uma costelinha de porco (como esta receita) e separe os ossos antes de servir. Eu, particularmente, vou às compras por pés: mocotó, pé de porco, pé de frango. Essas peças são ótimas fontes de colágeno – proteína que, cozida longamente, se transforma em gelatina e enriquece o caldo. Pele de porco também funciona.

Quanto ao método, vamos no mais simples: basta colocar tudo em uma panela de pressão e cozinhar por duas horas ou um pouco mais. A altíssima temperatura da água vai extrair com eficácia todos os sabores e aromas. Trabalhar com ossos – melhor se eles forem tostados no forno – traz a vantagem de não produzir gordura. E você não precisa filtrar o caldo, é só retirar os sólidos maiores com uma escumadeira. Deixe a apresentação impecável para os restaurantes.

Antes de passar para o caldo do lámen, algo muito importante: não use sal nesta etapa.

O caldo do lámen

A culinária japonesa lança mão de uma variedade enorme de caldos. Na essência, eles não são extremamente diferentes dos primos ocidentais – afinal, trata-se de transportar para a água os sabores de alimentos sólidos. Um olhar mais atento, entretanto, percebe uma série de peculiaridades.

O que torna os caldos japoneses únicos é a busca pelo umami – o chamado “quinto sabor”, ao lado do doce, do amargo, do ácido e do salgado. O tal umami (não vou perder tempo em tentar descrevê-lo) aparece na forma de soja fermentada (shoyu, missô), algas (kombu), peixe seco (katsuobushi) e cogumelos desidratados. Alguns desses componentes podem ser difíceis de achar, mas shoyu e cogumelo seco – não precisa ser japonês – se encontram em qualquer venda de esquina.

Alguns caldos japoneses são sutis e delicados no sabor, mas esse não é o caso do lámen. O caldo do lámen é rústico, substancioso, parecido de certo modo com os caldos franceses e italianos. A receita que eu vou apresentar não respeita todos os rituais e processos da culinária tradicional japonesa. Eu garanto, porém, que é uma imitação bem decente.

Os caldos de lámen têm como base os ossos de porco e/ou de frango. Dá para improvisar também com pato e outras aves. Existe o caldo, digamos, comum. E existe o tonkotsu, que é muito mais encorpado e substancioso.

Lembra-se da recomendação quanto ao sal? Se você a ignorou, volte três casinhas. O caldo de lámen, na sua versão mais comum, é salgado logo antes do serviço e de três formas distintas, que definem o estilo da sopa: shio (sal, a mais suave), shoyu (molho de soja) e missô (a mais intensa, minha favorita).

Vamos então à receita, que é o pedaço mais fácil desta história toda. Caso você não tenha acesso a ingredientes japoneses, adapte a gosto (no post anterior, indiquei duas listas de compras: uma para o paulistano, outra para quem mora longe da comunidade japonesa). Não é a mesma coisa, mas é bem melhor do que passar vontade.

E aguarde o próximo post, que será sobre os complementos do lámen, também de fundamental importância.

CALDO DE LÁMEN

Ingredientes

Ossos de frango e/ou de porco

1 barriga de porco com couro

1 cebola grande

1 maço de cebolinha verde

6 cogumelos shitake secos (ou outra espécie)

1 folha de alga kombu

1 cabeça de alho

1 alho-poró

Modo de fazer

  1. Toste os ossos no forno

  2. Remova a pele da barriga do porco. Reserve a carne, que será usada na receita do tyashu.

  3. Numa panela de pressão, coloque a pele de porco, os ossos tostados e todos os outros ingredientes. A cebola e o alho entram inteiros: a casca contribui para a cor do caldo.

  4. Cubra com água, tampe a panela e ligue o fogo. Quando pegar pressão, deixe cozinhar por duas a três horas.

  5. Espere a pressão ceder, abra a panela e remova os sólidos com uma escumadeira. Descarte-os, pois eles já deixaram todo o sabor e os nutrientes na água. Use o caldo imediatamente ou guarde-o sob refrigeração.

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