Receita da moqueca mais famosa do Brasil
"Moqueca, só capixaba. O resto é peixada." A primeira vez que vi esta frase estampada em cartazes foi, não-coincidentemente, na primeira vez que fui a Vitória, em 1988. Estava em outdoors, restaurantes, pontos de ônibus, por toda parte (veja a foto abaixo). E eu, nos meus dezoito anos, ignorava o fato de que existisse uma moqueca capixaba. Moqueca era obviamente comida baiana. Aqueles caras só poderiam estar malucos. E, bicho, onde que eles plantavam tanto coentro? A comida daquela gente tinha coentro o bastante para temperar todas as refeições da Índia.
Ocorre que o Espírito Santo acabou entrando na minha vida de forma intensa e definitiva. A família da minha mulher (a Mariana, do blog O Caderno de Receitas, que recomendo muito) mora em Vitória, para onde viajamos com frequência. É óbvio que comi algumas dezenas de moquecas. Aprendi até a gostar de coentro. Não vou endossar a provocação contra os baianos, mas não posso negar: prefiro a versão capixaba da moqueca, mais leve, sem dendê, sem leite de coco, sem pimentão.
Em vez disso, a moqueca capixaba é feita com azeite de oliva, urucum e, adivinhem!, muito coentro. Acompanha pirão de peixe, arroz e, cada vez mais comum nos restaurantes de lá, uma moquequinha de banana-da-terra.
Uma coisa engraçada para o forasteiro é que todos os restaurantes típicos têm cardápio quase idêntico: moqueca de dois ou três tipos de peixe, de camarão, de peixe com camarão, bobó de camarão e algumas variações com frutos do mar. Mas vá insinuar a um capixaba que eles são todos iguais... Em Vitória e outros pontos do litoral, é uma questão de identidade cultural ter o seu restaurante favorito de moqueca.
Dentre esses restaurantes, uma quase unanimidade (ênfase no "quase") é o Cantinho do Curuca, lugar muito agradável na praia de Meaípe, em Guarapari. Dez entre dez turistas que vão ao Espírito Santo são levados para lá em algum momento, para ver a maravilha de cozinha aberta com dezenas de panelas borbulhantes de moqueca na chama do fogão. E a moqueca é realmente algo de excepcional – pena que o preço seja indigesto. Mas tudo bem, o Curuca não é mesquinho. Está no site do restaurante a receita da moqueca mais famosa do Espírito Santo – e, consequentemente, do mundo.
Algo que todo capixaba pontua é a questão da panela. Por lá, a moqueca é sempre feita em panelas de barro típicas da região, que retêm o calor como poucas. Tenho duas: uma grande para o peixe e uma pequena para o pirão. Mas acho que isso não deve ser um impedimento. Se você não encontrar uma panela capixaba, eu sugiro que você use outra panela de barro qualquer ou até uma de pedra-sabão.
Reproduzo abaixo minha versão da moqueca do Curuca. Como não consigo deixar de inventar alguma coisa, decidi usar um peixe pouco popular no Brasil: o tamboril ou peixe-sapo (foto acima). Ele faz muito sucesso em Portugal e em toda a Europa com sua carne branca, suave e firme como a de lagosta. Aqui, até outro dia virava comida de gato assim que o barco atracava no cais – culpa de seu aspecto feioso. Mas o tamboril é um barango bem gostoso, e sua carne já começa a aparecer aqui e ali. Comprei o meu, congelado, na ótima peixaria Nossa Senhora de Fátima, no Mercado de Pinheiros. Sem mais demora, vamos à receita.
Ingredientes
Moqueca
600 g de peixe em postas (eu usei tamboril; os mais comuns são badejo ou robalo) – separe as aparas, como cabeça, cauda e barbatanas, para o pirão
2 colheres (sopa) de óleo
1 colher (sopa) de sementes de urucum ou colorau
100 g de cebola picada
100 g de tomate picado
2 colheres (sopa) de azeite
2 colheres (sopa) de suco de limão
Sal, pimenta e coentro a gosto
Pirão
Aparas do peixe
1 colher (sopa) de óleo
1 tomate picado
1 cebola picada
Farinha de mandioca q.b.
Sal e coentro a gosto
Modo de fazer
Se usar sementes de urucum, prepare a tintura. Aqueça o óleo em fogo baixo com as sementes, até que ele fique vermelho. Coe.
Comece a preparar o pirão. Refogue a cebola e o tomate no óleo. Junte as aparas de peixe e cubra com água. Deixe ferver por pelo menos meia hora.
Aqueça bem a panela da moqueca em fogo alto. Refogue rapidamente a cebola e o tomate na tintura de urucum (ou óleo e colorau). Coloque as postas de peixe, sem sobrepô-las, sal, azeite e suco de limão. Deixe ferver por 15 minutos.
Enquanto isso, termine o pirão. Retire os ossos e barbatanas de peixe do caldo. Mexendo sempre, comece a acrescentar a farinha bem devagar, com uma "cascata" caindo do punho fechado sobre a panela – se cair muita farinha de uma vez, o pirão empelota. Quando obtiver uma mistura grudenta como cola, desligue o fogo.
Jogue muito (mas muito mesmo) coentro sobre a moqueca e o pirão e sirva imediatamente, enquanto ainda borbulham, com arroz branco ao lado.