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Marcos Nogueira

Por que os cariocas amam o Biscoito Globo?


"Para o paladar americano, um biscoito Globo é basicamente um cebolito gigante menos a cebola; ou o que você receberia se pedisse um pacote de Chee-tos sem queijo. Ele é textura quebradiça e nada mais – ar moldado em forma de rosquinha. Jogue um na sua boca: é como se os seus dentes estivessem numa festa em que a língua não foi convidada."

O parágrafo acima, em que o repórter David Segal descreve no New York Times o petisco praiano favorito dos cariocas (texto original em inglês aqui), provocou fúria e espanto do Leme ao Pontal. Como assim? Como um americano se atreve? Uma ofensa desse calibre em plenos Jogos Olímpicos, tempo de congraçamento internacional?

Tudo bem que Segal vai além, espinafrando a cena gastronômica do Rio como um todo, mas acertou em cheio um ponto nevrálgico ao falar do Biscoito Globo. O jornalista até tenta relativizar, começando a frase com "para o paladar americano". Seu veredicto, entretanto, é implacável.

O texto do NYT mistura críticas certeiras com uma dose enorme de preguiça jornalística (o sujeito anda a esmo numa cidade qualquer e quer comer bem?). Demonstra, acima de tudo, o julgamento arrogante que muitos americanos fazem sumariamente das culturas que desconhecem. Prepotência mais ignorância mais desdém mais uma falta aguda de sensibilidade.

Eu não sou americano: sou paulistano, o que não faz tanta diferença assim quando se trata de choque cultural com os cariocas. Deste lado da Via Dutra, nós nunca compreendemos muito bem a razão do culto ao Biscoito Globo. Alguns aderem sem entender – acham que se tornam cariocas ao imitar seus usos e costumes (invejinha branca, sacou?). Outros, como eu, questionam.

Sim, gostamos de biscoito de polvilho (e não, não o chamamos de bolacha; biscoito de polvilho é biscoito mesmo). Mas nossa percepção difere da carioca em dois pontos fundamentais:

1. Temos plena ciência de que biscoito de polvilho é um troço meio besta, meio sem graça. Gostamos assim mesmo.

2. Existem dezenas, quiçá centenas de marcas de biscoito de polvilho. São todas meio parecidas. Por que diabos eleger uma delas para endeusar? Será que no Rio só tem a marca Globo?

Nunca fiz a pesquisa de campo no Rio, mas desconfio que haja certa variedade de biscoitos. Em São Paulo, porém, não tínhamos o privilégio de desfrutar do maná das areias de Ipanema, do néctar precioso do Posto 8. Não tínhamos, agora temos. O Pão de Açúcar em frente à minha casa montou, nesta semana, um tabuleiro com dúzias e dúzias de saquinhos plásticos de Globo dos dois tipos: verde (salgado) e vermelho (doce).

Não é o mesmo produto que se compra nas areias da Zona Sul, uma amiga carioca adverte. Os ambulantes da praia se abastecem todas as manhãs com biscoito fresquinho, assado no dia, que eles vendem em sacos de papel e que se esgota antes do pôr-do-sol. Segundo essa amiga, a versão em plástico, encontrada em padarias e mercados, nem se compara. É o que temos em SP, porém. E a sanha consumista do paulistano não enxerga diferença entre papel e plástico.

Eu só havia experimentado o biscoito uma vez, em seu habitat. Estava velho e murcho. Não dava para emitir uma opinião isenta. Agora dá. Resolvi comprar um pacote de biscoito salgado e compará-lo com a marca que eu costumo levar para o Pedro emporcalhar o carro em viagens. Vamos aos competidores.

Do lado esquerdo do ringue:

Biscoito Globo

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Fabricação: Rio de Janeiro, RJ

Preço: R$ 4,99 (30 g)

Preço por grama: R$ 0,17

Validade: 15/10/2016

Ingredientes: polvilho azedo, água, gordura de coco, ovos, leite, sal e açúcar

E do lado direito do ringue:

Receita de Família

Fabricação: Araçatuba, SP

Preço: R$ 8,90 (180 g)

Preço por grama: R$ 0,05

Validade: 7/12/2016 Ingredientes: polvilho azedo, leite, gordura de coco, ovos e sal

Analisei as duas marcas de biscoito nos seguintes quesitos:

Embalagem

O visual retrô do saco do Biscoito Globo (não-intencional até certo ponto, suspeito) é muito mais bacana do que o da marca paulista. O plástico fosco, contudo, impossibilita ver o conteúdo. Você compra às cegas, sem saber quantas rosquinhas estão esmigalhadas.

Preço

Quesito objetivo, não há o que discutir. O Globo custa mais do que o triplo do Receita de Família. O mesmo preço do produto fresco na praia do Rio, mas sem a vista do Arpoador. Nas padarias cariocas, o Globo em saco plástico sai em torno de R$ 2.

Aparência

Os biscoitos Globo são bem mais claros (eles são as duas rosquinhas da parte de baixo do meu símbolo olímpico) e mais leves. Questão de estilo, talvez.

Textura

Aí o bicho pega. Provo primeiro o biscoito carioca. Bom, crocante. Então provo o outro. Muito mais crocante. Mais consistente. Enquanto o Globo desaparece na boca (corroborando o relato do jornalista americano), o biscoito paulista ainda resiste a uma ou duas mastigadas. "Mas talvez seja essa a graça do Globo", pondera minha mulher. Sou obrigado a concordar.

Sabor

Nenhum dos dois tem muito sabor, a bem da verdade. Ambos têm gosto de biscoito de polvilho que – o americano percebeu bem – é comparável a um desses salgadinhos aerados, mas sem o pozinho nojento que lhes empresta sabores artificiais geralmente desagradáveis. A marca paulista é um pouco mais salgada, o que não significa melhor.

Poderia gastar mais verbo falando merda sobre as diferenças entre SP e Rio, mas já deu para mim – imagina para você.

Minha experiência bastou para afirmar que não vale a pena comprar Biscoito Globo em São Paulo. É muito caro e pior do que os similares regionais. Foi insuficiente, contudo, para explicar a seita globista que congrega 98% dos cariocas – os 2% restantes são párias esquisitões. Não é o mesmo produto, apesar de ninguém avisar os paspalhos aqui.

Enfim, vou precisar voltar ao Rio para refazer o teste.

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